segunda-feira, 6 de setembro de 2010

De volta a si mesma

Liz Gilbert não vai a lugar algum. Em seu ótimo “Comer, rezar, amar”, a autora que é também protagonista afirma que ela esteve na Itália, na Índia e em Bali, viajando durante um ano. Mas todas as suas viagens foram internas, para investigar e dar contorno a uma identidade que até o início do livro apenas atendia por seu nome.

Encontrei em outro livro a melhor pista para compreender o que se passou com Liz: “Quem perde esperança foge. Quem perde confiança esconde-se. E ele queria as duas coisas: fugir e esconder-se.” Esse é um trecho de Mia Couto, em “Jesusalém”. E o que se passa com ela é semelhante. Ao constatar que se permanecesse vivendo da forma como vivia estava se endereçando a um caminho de desilusão e morte, Liz dá seu “Basta!”, fugindo de sua terra, seus laços, sua língua-mãe e de seu despedaçar.

Suas viagens são espelhos, onde ela pode se enxergar, se deparar com seus gostos e desprazeres, e partindo destas acepções, reconstituir-se. São uma metáfora para a maior viagem, para dentro dela mesma, que nem sabia quem era até então.

Todas as pessoas, todos os encontros, todas as comidas, todas as preces são oportunidades para que ela se delineie como mulher. A falta de sexo durante a viagem é bastante representativa também, pois se emocionalmente ela começa do zero, como criança novamente, o ato sexual realmente não cabe, seria até violência.

Liz faz tardiamente o caminho para crescer. Como muitas mulheres, lança-se na vida sem saber quem é, e por isso se fere profundamente, pois em nada está enraizada – não há conforto em parte alguma. Na primeira viagem, à Itália, ela só trata de curar o corpo. Como um bebê recém-nascido vive em torno das necessidades básicas. Só há espaço para o prazer e nenhuma frustração é tolerada. Acaba engordando onze quilos. Na segunda viagem, onde passa longo tempo meditando e em jejum, trata de lidar com os limites, como faz uma criança que começa a andar e aprender que não pode tudo. No último trecho, na Indonésia, é que está pronta para o amor e o grande poder que o sexo confere. Ela desabrocha como mulher.

A princípio é o tipo de livro cujo argumento parece gratuito e pouco atraente: “autora tem uma longa viagem bancada, com a finalidade de produzir um livro-relato no fim e vender horrores”. Tem ainda incomodos estereótipos sobre os países envolvidos. O do brasileiro amante, por exemplo, desagradará a todos que repudiam o turismo sexual no nosso país. Mas Elizabeth Gilbert faz mais, com seu estilo próprio ela nos leva junto com ela. Estamos lá, todo o tempo, de mãos dadas – o leitor e a protagonista, como a mão e a luva. O livro nos faz grande companhia. E espero que o filme que estréia no Rio no dia 01/10/2010, produzido por Brad Pitt e estrelado por Julia Roberts e Javier Bardem, tenha também esse mérito.

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